domingo, 1 de janeiro de 2012

Dia 06 - Arequipa - Cusco - 620 km (post de ano novo)

Happy new year!!!!!!!!!
Já escrevo este post em 2012, embora ainda seja referente ao último dia do ano que acabou e ao último trecho para a chegada em Cusco.
Depois da excelente receptividade das pessoas em Arequipa na noite anterior, programamos a saída para as 8h da manhã. Mais uma vez, era um dia light... previstos 450 km, passeio no parque. Na noite anterior a boca de gamela do Montanha já estava prevendo: "duvido que amanhã a gente rode só 450 km sem nenhum perrengue". Pois é, atendendo a pedidos do boca mole, já descobrimos na saída que não ia ser tão light. Montamos a rota e calculamos a distância usando o Google Maps, que funcionou perfeitamente nas etapas anteriores, mas que nos pregou uma peça neste trecho. No cálculo do GPS a distância a ser percorrida seria de 620 km, e foi isso que rodamos.

Chama a atenção nestes 6 dias de viagem a diversidade de paisagens, além da óbvia diferença cultural em cada um dos países por onde rodamos. Na Argentina tivemos o pampa semi-desolado do chaco e depois a beleza imponente da quebrada de Humahuaca onde os tons monocromáticos deram lugar a uma diversidade impressionante de cores registradas nas montanhas. Entramos no Chile cruzando parte da cordilheira por estradas magnificamente cênicas (literalmente de tirar o folego), com uma tempestade em ambiente inóspito e a aridez instigante do deserto antes de chegar a San Pedro de Atacama. Continuamos pelo Chile, agora margeando o Pacífico, com o Oceano de um lado e as montanhas do outro, numa espécie de disputa muda entre a imponência da terra e a grandiosidade do mar. Voltamos à paisagem desértica, mas ccom tonalidades diferentes, rodamos por estradas sinuosas à beira do precipício (aperitivo para a rodovia da morte) e, finalmente, concluímos ontem o trajeto até Cusco rodando por um país que surpreende o tempo todo, com a paisagem se alterando de forma tão surpreendente quanto algumas características percebidas no seu povo. De Arequipa a Juliaca rodamos por paisagens do altiplano, novamente sempre acima dos 4.000 m de altitude, com significativa dificuldade para respirar. Paramos em uma estação do governo peruano no meio do nada e vimos fotos mostradas peloo guardinha de plantão de 15 centímetros de neve naquele mesmo lugar há apenas 4 dias atrás. Muitas alpacas espalhadas pelo cenário, todo o tempo. E nos últimos 200 km, um aperitivo do que será o passeio a Machu Picchu. Cenários de cair o queixo, assemelhados a alguns imortalizados por Peter Jackson em o Senhor dos Anéis. Montanhas verdes, picos nevados e vales intensamente cultivados, transbordando beleza, com cursos d'água conduzindo o fluxo da vida. As fotos, como sempre, falarão muito mais do que mil palavras!

Chegamos em Cusco por volta das 16h30. Mas ainda tinha um detalhe... Há 80 km de Cusco, Montaha me advertiu de um barulho na minha moto. Estacionamos as motos à beira do caminho e procuramos por uma causa, mas encontramos duas. Primeiro, meu freio traseiro estava balançando, meio solto (o conjunto do freio é fixado à moto por dois parafusos) e constatamos que um dos parafusos estava solto. Tentamos apertá-lo, mas ele não estava apenas solto. Estava quebrado! Algo meio difícil de conceber numa peça como aquela, a única razão plausível é fadiga de material, algo que não deveria aconecer numa peça banal como um parafuso em uma motocicleta cujo slogan é "unstoppable". Mas esse não foi o problema mais preocupante, já que há algum tempo meu freio traseiro estava bem baixo e eu vinha conduzindo utilizando apenas o dianteiro (que nas BMW é linkado e distribui automaticamente a força de frenagem nas duas rodas). O problema mais preocupante veio pelo prego (se é que se pode chamar um trem daquele tamanho de prego) enfiado no meu pneu traseiro. De novo, a foto vai falar por si. Era assustador. E o jeito foi tirar o prego e rezar pra não ter causado dano suficiente pra esvaziar o pneu. Até porque, para um prego daquele tamanho só os tradicionais "mcacarrõezinhos" pra consertar pneu sem câmera não seriam suficientes, ia precisar de uma lasanha inteira! :-D mas a sorte soriu pra nós e o prego foi retirado sem causar dano.

Em Cusco enfrentamos o já conhecido trânsito caótico do Peru. É tremendamente impressionante a forma como o trânsito funciona por aqui (algo percebido aqui, em Arequipa e nas cidades/vilarejos que cruzamos pelo caminho, como Juliaca). O trem é feio! Buzina-se sempre e por qualquer motivo (até sem motivo), ninguém respeita ninguém, as vans rodam entulhadas de gente (isso não é figura de linguagem) e coisas amarradas em cima, existem carrinhos adaptados em motos (vai dar pra ver nas fotos) e a melhor forma de lidar com o trânsito é com a faca nos dentes e não apenas se antecipando à eventual possibilidade de um motorista desavisado entrar subitamente na sua frente vindo de uma rua perpendicular a uma velocidade ridiculamente baixa quando vc está se aproximando a 80 km/h. A estratégia é ter certeza que sso vai acontecer! E sempre acontece...

Quanto ao povo, este é um capítulo à parte. As figuras que vemos nos filmes e nos guias turísticos sobre o Peru estão por todos os lados, principalmente no interior. Velhinhas que usam aquelas sete saias uma por sobre as outras com seus tradicionais chapeuzinhos de lá de alpaca, com a criança amarrada às costas numa espécie de trouxa. Uma felicidade ingênua manifestada nos sorrisos e acenos, principalmente das crianças, ao longo do caminho. Uma pobreza impressionante (para os padrões de quem, cara pálida????) que não parece afetar o que essas pessoas tem de melhor: a possibilidade de viver. Conversamos sobre as impressões sobre o tema na chegada e nos parece que, como frequentemente digo, é tudo uma questão de referência.A pobreza impressiona, a falta de perspectiva chama a atenção. Mas, mais uma vez, estamos falando das nossas referências. Para aquelas pessoas sorridentes, a referência é outra, E aposto um braço de que, neste caso, a falta de referências mais amplas não faz a manor falta... Parece que este povo encontra com facilidade, no meio da sua dificuldade e limitação de recursos, aquilo que pode fazê-los felizes. E vivem por isso! Não querem trocar de carro todo ano (o importante é a satisfação do carrão novo importado ou é até onde ele pode levá-lo???). Não trocam suas televisões sempre que novos modelos chegam às lojas com novos recursos que nunca vamos usar (provavelmente nem têm televisão). Não estouram os cartões de crédito (cartões de crédito???? Que diabos é issso????) no shopping atualizando o guarda roupa a cada temporada (e usam roupas feitas com a melhor lã disponível dentro das quais resolvem o problema para a qual a roupa foi criada, que é manter o corpo aquecido). Enfim, talvez o último dia do ano nos deixe mais reflexivos do que de costume. Mas aí está algo em que vale a pena investir tempo pra pensar...

Finalmente, a passagem de ano em Cusco. Que festa espetacular! Nunca fui muito afeito a "festas populares" e grandes aglomerações de pessoas. Mas a concentração na Plaza de Armas é, definitivamente, algo que não pode ser perdido. Um mar de gente, cantando, se divertindo de forma civilizada, saudando o ano que termina e esperando a renovação de esperanças trazida pelo novo ano, na mágica que Drummond já exaltou decorrente do corte do tempo em fatias. À meia-noite, as pessoas saem correndo em volta da praça, numa espécie de ritual tanto belo quanto não-convencional.

E por falar em ano novo, Eu, Eduardo e Montanha sabemos que nossas famílias gostariam muito que estivéssemos por perto. E, em função desse apreço "bizarro" por esse tipo de viagem de aventura, estamos longe, há mais de 4.000 km, e não pudemos estar presentes quando a meia-noite chegou. Sabemos que é difícil entender, já falei disso em posts anteriores. Mas admiramos e apreciamos vocês ainda mais porque, mesmo sem entender, vcs são capazes de aceitar e reconhecer que isso é parte do que nos faz felizes. Se isso serve de consolo, certamente voltaremos melhores do que saímos. E vcs, de alguma forma, nos proporcionaram isso. Para todo o resto, existe Mastercard...

FELIZ ANO NOVO!!!!!! E, COMO DIZIA O POETA, VAMOS LÁ FAZER O QUE SERÁ!!!!!!!

Posto padrão no interior do Peru.

A casinha à esquerda é o banheiro do posto. Há que se tomar cuidado pra não pegar tétano na porta...





















Este é o prego...

Concentração da Plaza de Armas para o ano novo. Mar de gente...



Povo dando uma espécie de "volta olímpica" em volta da praça à meia-noite.
E pra fechar com algo inusitado, sim, essa foto é o que parece. Uma chica aliviando-se nem vergonha nem pudor no meio  da praça e de todos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Feliz 2012 para vocês também.
Allan, estou viajando com vocês. É interessante como o que você escreve, descreve o que estão vivenciando. Parabéns pelo blog. Parabéns pela empreitada de deixar tua casa em busca do que te deixará melhor para ela própria. Me faz refletir o quanto perdemos de oportunidades, por ficarmos inertes e não "investimos" tempo e atitude, em coisas que podem nos aproximar de quem somos, com o "lucro" de nos aproximarmos mais ainda daqueles a quem amamos. Um abraço forte e Sucesso!!!
Jairo Crozatti. Cianorte-PR.

Anônimo disse...

Não sei qual a melhor palavra para descrevê-los e descrever a alegria que dá ao ler "just-in-time" as aventuras de vocês. Outra dúvida cruel é saber o que é melhor neste blog, se é a narrativa empolgante com os "perrengues" da missão ou se são as belíssimas fotos de lugares pitorescos que nunca estive e, tão possivelmente, jamais estarei. Parabéns pela imensa coragem e por compartilhar com tanta dedicação o dia-a-dia emocionante desta viagem e as reflexões proporcionadas pelo caminho!!! Feliz 2012 e boa viagem!!